"O Fado é a cantiga que define um povo. Melancolica e apaixonada, como o temperamento da raça que o deu à luz, ela tem na sua toada sonolenta alguma coisa de magoado em que transluz toda uma epopeia roxa de saudade. Da antiga tradição aventureira e sonhadora que nos tem vindo pelos seculos fora ate estacar na miseria inérte d'hoj'em dia, é ela o grito mais fundo e mais bem lançado que da alma de uma nacionalidade tem saido -- grito que só se dá a sós com o coração, grito intimo de tortura e descalabro de ambições. A' ventura pelos mundos de Cristo, sacola ao ombro e bordão de peregrino a quem nada preocupa, -- peregrino da ilusão -- o portugues leva sempre nos labios a doce cantiga do Fado, como balsamo para todas as magoas e incentivo à sua sensibilidade. Raça de poetas e viajeiros, não se dá conosco a fria realidade; d' olhos vendados se caminha; se amanhã não houver pão, Deus o dará; ao longe é a bruma e para ela se vai inconscientemente, não antevendo perigos, desdenhando obstaculos, abandonando conselhos da consciencia; d'ai, a valentia do portugues, a sua tenacidade, a sua ingenuidade e o seu bom fundo. Quem mal não pensa mal não cuida. O Fado foi, pois, a cantiga mais consentaneamente inventada para companheira d'este simples deixar correr que reside em nós todos. Lutas da alma, saudades de tempos idos e coisas desaparecidas, queixas d'amante desprezado, soluço amargo de uma dor oculta, tudo isso ela traduz com um sentimento pungente e doloroso. A mesma ironia é coada por lagrimas; abranda nas inflexões do lamento e em vez de irritar, sensibiliza; amolece os intuitos; quer ferir e afaga, quer apunhalar e dá a vida."
JPinho
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